A privação transforma

By Daniel de Castro - junho 05, 2020


  Olá pessoas, beleza? Em meus textos costumo falar bastante sobre minha nova forma de lidar com minhas limitações, e isso deve-se a uma série de problemas que criei desrespeitando coisas que eram minhas por motivos que eu insistia em chamar de "frescura". Hoje, não deixo que pessoas diferentes ou com buscas diferentes da minha ditem meu ritmo, minhas soluções e aceito ajuda com muita gratidão ... quando são apenas ajuda.

  Cada ser vem ao mundo com peculiaridades, nem todas serão "justificáveis" principalmente em uma sociedade tão taxativa e superficial que precisa de explicações "aceitáveis" para quase tudo. Ser diferente é difícil com tantas formas certas de ser, estar e pensar, e isso acaba levando muitos de nós a suprimir, esconder ou tentar "superar heroicamente como alguém admirável certa vez fez", pois é vergonhoso ser, ter ou estar certas coisas.

  Isso é algo muito pessoal já que uma das coisas mais importantes para um ser se sentir como completo talvez seja conseguir separar o que é superável do que não é, para que possamos evitar viver uma vida frustrada tentando superar algo que, talvez, devesse ser apenas aceitado e adaptado. Ou nos acomodar aceitando algo que com um pouco de esforço seria superado, esse é um campo complicado de se debater, pede maturidade, empatia e nível de consciência difíceis de se encontrar.

  Observando bem, podemos perceber as privações mudando as pessoas, umas melhoram, outras pioram, umas permanentemente, outras temporariamente e quem nunca viu alguém (ou nós mesmos) tomar raiva de uma privação, seja econômica, social ou até sentimental e se deslocar para o "lado negro da força"? Um emprego dos sonhos que, durante a prática não era bem aquilo e mudamos de ramo jurando que aquele é o pior do mundo evitando que outros tentem, uma amizade antiga quebrada que nos afasta de novas experiências pois temos "certeza" que nenhuma será boa ou uma frustração amorosa que removeu a fé no amor e até cria alguns "caçadores de amores tolos que um dia certamente serão desilusão", tornando a vida de cada um que queira tentar um verdadeiro martírio?

  Uns conseguem seguir e tentar novamente, outros não, uns tomam sua experiência como verdade absoluta e passam a ser verdadeiros "ativistas pró/contra" coisas que, em alguns casos, foram apenas acaso, coisas que com este não rolou mas com aquele pode ser que aconteça. Outros seguem repetindo, chamando consequências de acaso, resultados de punição indevida e colheita de destino, mas o fato é que aprender a entender quem somos nós nessa equação de esforço/aptidão/capacidade/adaptação e tantas outras coisas poupa energia, nossa e dos que nos rodeiam.

  Esse post é apenas um breve comentário sobre mudanças ocasionadas por privações, um comentário sobre o fato, destacando algumas possibilidades sem julgar ou taxar, ressaltando que, sendo seres maravilhosamente diferentes, cada um reage de uma forma e é complexo demais para generalizar. Quantos nascem em favelas, desfavorecidos por quase todos os lados, trombando com coisas traumatizantes diariamente e se tornam referências humanas? Quantos nascem com "a faca e o queijo na mão" e jogam tudo fora?

  Quando digo "com a faca e o queijo na mão" ... cara, como isso é relativo ... dinheiro, família, amor, status ... qual o norte de cada ser? Um milionário que não encontrou amor, um amado que não encontrou sucesso, um gênio que só queria ser comum ... frescura? Obviamente algumas coisas são mais fáceis que outras para se obter, mas até estas podem ser debatidas e provavelmente, alguém em algum lugar tem uma visão nova e diferente sobre uma dificuldade a apresentar que talvez muitos tenham passado, mas não tenham entendido, que não conseguem explicar. Quando perdidos, nem sempre conseguimos entender, muito menos explicar alguns de nossos motivos, e muitos acabam optando por se isolar, e quantos humanos maravilhosos porém confusos devem estar perdidos por aí.



  Algumas correntes não podem ser vistas por todos mas estão lá, bloqueando o desenvolvimento nas mais diversas áreas, fazendo seres maravilhosos parecerem coisas que não são. Quantos foram, são e serão privados de coisas que seriam supérfluas para uns unicamente por generalizações? Criamos escravos quando não permitimos liberdade e escolha, e as revoltas violentas são questão de tempo.

  Eu sempre defendo que a revolta, o ódio e a reação sem raciocínio "empático" nos levam a cometer injustiças e agravar problemas crendo que estamos resolvendo. As vezes, removemos um "pilar central velho e mal colocado" de uma casa, resolvemos o problema removendo uma estrutura importante e a casa cai. Isso pode ser associado a inúmeras coisas na minha humilde opinião, mas confesso que é algo mais fácil de pensar do que de executar.

  A privação transforma e hoje tento transformar minha caminhada lembrando das minhas privações, tentando remover ódio e revolta, entendendo que em mim tiveram um efeito que nem todos entenderão, a raiva tem uma energia poderosa, remove a inércia mais rapidamente que conscientização e dá uma força estranha, difícil de descrever, quase impossível de controlar mas que EU, depois de alguns arrependimentos, de ver e ler sobre alguns exemplos, prefiro me afastar.

  Cada um sabe onde seu calo aperta, e sinto falta de grupos de pessoas debatendo abertamente alguns assuntos, preocupados em desenvolver possibilidades, sem EGO inflado nem lições de moral, com conhecimento de causa, apenas agregando experiências pois acho que a prática permite evoluir, e hoje em dia, é extremamente cansativo debater alguns assuntos e na minha humilde opinião, ver leões ditando como é fácil uma lebre sobreviver na selva, camelos cobrando de golfinhos uma adaptação ao deserto e o que é pior, muita gente perdida seguindo essas dicas e se destruindo só para não ser estranho ou estar do lado errado.

   As mudanças causadas pela privação (vários tipos, muitos causados por falta de cultura, oportunidade, amor, cuidado ...) poderiam ser melhor discutidas, sem generalização, começando por nós mesmos, em nossos lares, trabalhos e círculos sociais, cada um se esforçando para entender ou ao menos aceitar as diferenças, sem se omitir nem ultrapassar limites, mas precisamos reaprender a conversar antes e isso parece distante. Até lá, tento fazer minha parte me afastando da revolta(sempre que consigo), mesmo a justificável, sempre que consigo perceber que meu direito vai retirar algo fundamental como minha paz. Nem sempre acerto, meus conceitos mudam bastante, mas preciso descobrir tentando e sempre permitindo que tentem, o que muitas vezes pode levar a privações, mas sempre prezando pela liberdade.

  E é isso pessoas, espero que a leitura tenha sido boa, muita força nestes dias difíceis e que cada um encontre as motivações necessárias para sua caminhada, que todos fiquem bem :)

  Imagens via: Pixabay

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6 comentários amáveis

  1. Ótimas reflexões. Realmente as privações nos modificam completamente, para ou bem ou para o mal, por tempo indefinido ou não. Neste momento, estamos privados de liberdade, saúde pública, segurança e eu já sinto que não consigo sentir senão ódio ao sistema que nos jogou neste lodo em que vivemos. Sigamos...

    Abraços

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    1. Obrigado minha cara. Esse ódio é tão "normal" quanto perigoso, pensar em como essas coisas acontecem realmente joga fogo na calma, mas no meu caso, a única forma de seguir é ignorando, nem sempre é possível, mas se eu pensar muito nisso, eu travo.

      Abraços

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  2. Oi Daniel!
    Adorei seu texto, acho que estava mesmo precisando ler algo assim. Em especial a parte "Algumas correntes não podem ser vistas por todos mas estão lá, bloqueando o desenvolvimento nas mais diversas áreas, fazendo seres maravilhosos parecerem coisas que não são."
    Eu me enfiei em uma corrente do medo que faz eu sentir medo de encarar a violência do Rio, medo de achar que não serei suficientemente capaz para algo e isso me segurou por muito tempo. Essa quarentena tem mudado muita coisa dentro de mim e seu texto só me fez refletir mais do quanto preciso me mover e me desprender de certas amarras.

    Abraços!

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    1. Obrigado minha cara. Sou de São Gonçalo e sei o que você diz (imagino eu ...), a violência destrói a vontade. Mas é bom perceber e se cuidar, cada um do seu jeito, espero que você supere esse momento difícil :)

      Abraços!

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  3. Acredito que o mais fascinante dos seres humanos é isso: o fato de que somos todos diferentes e lidamos com as coisas de forma diversas. Seu texto falando sobre privações veio bem a calhar para fazermos uma reflexão sobre o momento pelo qual estamos passando, muito privados de seus empregos, suas rotinas, amigos, família, e da própria liberdade. Estou vendo o quanto essas privações podem afetar muita gente de diferentes formas, e nem preciso ~ir~ muito longe: está bem diante dos meus olhos.

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    1. Pois é minha cara, bem ao lado de cada um tem exemplos de todos os tipos. Que todos encontrem a melhor forma de passar por este momento.

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